28 de nov. de 2015

MULHER NEGRA NA ARTE

O convite para participar de uma mesa/debate  que tem como tema  "Mulher Negra, Arte e Educação para as Relações Étnico-Raciais" já é por si só um ato político que nos diz que a luta das mulheres, mulheres negras nesses 1.515 anos de história do Brasil  não foi em vão.  Isso sem falar nas ancestrais indígenas que deixaram como legado para nosso país toda a sua força raiz!

A primeira coisa a dizer, em nome do Coletivo de Negras Autoras, é que somos fortemente gratas pelas nossas ancestrais todas as mulheres negras que abriram caminho para que hoje façamos o que estamos fazendo, ou seja, para que possamos continuar a lutar por liberdade. Hoje, certamente, com muito mais liberdade do que há alguns anos atrás.

A mulher negra na arte, como em quaisquer outros espaços que não sejam aqueles que nos foram pré-determinados baseados em pensamentos racistas e machistas, é também uma forma de contribuir para a equalização dos direitos de nós, mulheres negras.

O Coletivo de Negras Autoras nasceu do desejo de ver a mulher negra protagonizando sua própria história.  Através de composições autorais, músicas, textos, poesias, criar um trajeto cênico musical que falasse do universo da mulher negra, com criação e execução dela mesma. Quando falo “mulher negra” falo de um singular carregado de uma diversidade plural. Somos muitas e somos diversas, mas sabemos que quando gritamos a uma só voz somos mais ouvidas e conseqüentemente alcançamos mais resultados. É o grito!

A “mulher negra” deste texo/fala sou eu, são minhas companheira do coletivo, são as bititas, são vocês aqui presentes e todas aquelas outras que não estão aqui hoje, mas que estão presentes conosco na luta.

A dramaturgia do espetáculo NEGR.A e suas músicas, foram construídas passando por histórias pessoais das autoras, mas nenhuma dessas histórias é inédita. Sabemos que muito pelo que passa uma mulher, passam muitas outras. Então construir uma dramaturgia pautada no universo de negritude e de feminismo negro é algo tão natural para mulheres despertas quanto acordar e ir trabalhar. É cotidiano. Nossa militância é diária e não poderia deixar de estar presente no nosso trabalho artístico.
Quando falamos de música no Brasil sabemos que o legado africano é imenso e extremamente importante.  Ritmos como coco, samba, blues, congado, funk, maracatu , dentre outros, tem fortes características da música africana e mesmo que a música mais popular (aqui no sentido pop, música midiática) tenha a mistura européia e asiática também presentes na sua formação, não há dúvidas que de que a influencia africana na musica popular brasileira é muito forte.
Na nossa história recente sabemos de artistas negros que criaram grandes sambas e venderam para outros interpretarem ou mesmo assinarem tal samba (vejo um samba ser vendido, o sambista esquecido, o seu verdadeiro autor), compuseram canções que se transformaram em hits nas rádios na voz de artistas pops (a cor dessa cidade sou eu, o canto dessa cidade é meu) e criaram estilos musicais, tais como o samba reggae. Toda a música negra no Brasil tem espaço e é até muito aceita e disseminada pelo mercado, desde que na voz e corpo de uma pessoa branca.
Ainda na música, à mulher é reservado o lugar de intérprete. É muito bonito ver uma mulher cantando, sua graça e beleza, enriquecem a performance, se for como backin vocal, atrás de uma banda formada exclusivamente por homens é ainda melhor... Não! Não mais!
 É visível que já faz algum tempo que estamos abrindo espaço e ocupando esses lugares. Como disse no início do texto, se hoje estamos aqui é porque muitas vieram e lutaram antes de nós.
Hoje temos mulheres cantoras, compositoras, instrumentistas, diretoras, produtoras, dramaturgas, atrizes... e vai ter mais!

A mulher negra nas artes cênicas.  O teatro, dança, TV e cinema ainda são  espaços elitistas e pouco ocupados mesmo pelo homem negro. Quando há papeis para que os negros desempenhem, esses personagens são sempre os mesmos, escravos, serviçais, bandidos... Para a mulher, mesmo a mulher branca, no cinema seu lugar ainda é de “a bela” sem falas,  apenas compondo enredos predominantemente masculinos. Pensemos então o que é o papel mulher negra nas artes cênicas. Quase nulo, e quando ele existe é de muita submissão. 
Existem documentários tais como “a negação do Brasil” que conta um pouco da história dos negros e negras nas telenovelas Brasileiras. Para quem ainda não viu vale muito conferir esse documentário que fala, por exemplo, da personagem “Gabriela” do romance de Jorge Amado. Sabemos que Gabriela é uma mulher negra, mas na sua versão para interpretá-la na TV foi escollhida uma atriz branca. Novamente na segunda versão de Gabriela, recentemente exibida na TV, temos a atriz Juliana Paes que nas primeiras cenas da série aparece com tanta maquiagem para enegrecer a moça que quase temos ali um “Black face”.  Escrava Isaura, inicialmente, também era uma personagem negra, mas que sendo interpretada por uma atriz branca muda totalmente o contexto da história e acaba por reforçar o racismo.  Uma nova novela “escrava mãe” vem sendo gravada pela rede Record, novamente temos ali para interpretar uma personagem negra, uma atriz que se não é branca, no mínimo tem fortes traços de miscigenação (cabelos lisos, traços característicos de brancos e pele morena) que a clareiam e não deixam explicito a negritude da personagem que ela interpreta. Será que ainda não temos artistas negros com competência para encarar  a interpretação desses personagens? Eu sinceramente não acredito nisso! Recentemente Viola Davis, primeira atriz negra a vencer o Premio Emmy de melhor atriz nos disse que . "A única coisa que separa mulheres de cor de qualquer outra pessoa é oportunidade. Não se ganha esse prêmio sem um papel". E assim é! Dizer que não há negros competentes para estarem no mercado de trabalho artístico ainda é uma estratégia de nos manter fora. Mas estamos aqui e com competência! Viola Davis, Lupita Nyongo, Zeze Mota, Isaura Bruno, Ruth de Souza, Tais Araujo, Juliana Alves, Eda Costa, Lais Lacorte, Josi Lopes e tantas outras mulheres negras mostrando que somos de luta e de arte.

A arte é uma arma política, mais um instrumento para tocar as pessoas e contribuir para melhoria dessa sociedade ainda tão desigual. Com a força da nossa união somos capazes de realizar a transformação social e política que tanto almejamos para nossos filhos. Estamos aqui, mulheres, negras, artistas e queremos ser vistas e ouvidas.

texto produzido para o seminário 
Mulher Negra, Arte e Educação para as relações Étnico Raciais
FAN - Festival de Arte Negra
27/11/2015