O convite para participar de uma mesa/debate que tem como tema "Mulher
Negra, Arte e Educação para as Relações Étnico-Raciais" já é por si só um
ato político que nos diz que a luta das mulheres, mulheres negras nesses 1.515
anos de história do Brasil não foi em
vão. Isso sem falar nas ancestrais
indígenas que deixaram como legado para nosso país toda a sua força raiz!
A primeira coisa a
dizer, em nome do Coletivo de Negras Autoras, é que somos fortemente gratas
pelas nossas ancestrais todas as mulheres negras que abriram caminho para que
hoje façamos o que estamos fazendo, ou seja, para que possamos continuar a
lutar por liberdade. Hoje, certamente, com muito mais liberdade do que há
alguns anos atrás.
A mulher negra na arte,
como em quaisquer outros espaços que não sejam aqueles que nos foram
pré-determinados baseados em pensamentos racistas e machistas, é também uma
forma de contribuir para a equalização dos direitos de nós, mulheres negras.
O Coletivo de Negras
Autoras nasceu do desejo de ver a mulher negra protagonizando sua própria
história. Através de composições
autorais, músicas, textos, poesias, criar um trajeto cênico musical que falasse
do universo da mulher negra, com criação e execução dela mesma. Quando falo
“mulher negra” falo de um singular carregado de uma diversidade plural. Somos
muitas e somos diversas, mas sabemos que quando gritamos a uma só voz somos
mais ouvidas e conseqüentemente alcançamos mais resultados. É o grito!
A “mulher negra” deste
texo/fala sou eu, são minhas companheira do coletivo, são as bititas, são vocês
aqui presentes e todas aquelas outras que não estão aqui hoje, mas que estão presentes
conosco na luta.
A dramaturgia do
espetáculo NEGR.A e suas músicas, foram construídas passando por histórias
pessoais das autoras, mas nenhuma dessas histórias é inédita. Sabemos que muito
pelo que passa uma mulher, passam muitas outras. Então construir uma
dramaturgia pautada no universo de negritude e de feminismo negro é algo tão
natural para mulheres despertas quanto acordar e ir trabalhar. É cotidiano.
Nossa militância é diária e não poderia deixar de estar presente no nosso
trabalho artístico.
Quando falamos de
música no Brasil sabemos que o legado africano é imenso e extremamente
importante. Ritmos como coco, samba,
blues, congado, funk, maracatu , dentre outros, tem fortes características da
música africana e mesmo que a música mais popular (aqui no sentido pop, música midiática)
tenha a mistura européia e asiática também presentes na sua formação, não há dúvidas
que de que a influencia africana na musica popular brasileira é muito forte.
Na nossa história
recente sabemos de artistas negros que criaram grandes sambas e venderam para
outros interpretarem ou mesmo assinarem tal samba (vejo um samba ser vendido, o
sambista esquecido, o seu verdadeiro autor), compuseram canções que se
transformaram em hits nas rádios na voz de artistas pops (a cor dessa cidade
sou eu, o canto dessa cidade é meu) e criaram estilos musicais, tais como o
samba reggae. Toda a música negra no Brasil tem espaço e é até muito aceita e
disseminada pelo mercado, desde que na voz e corpo de uma pessoa branca.
Ainda na música, à
mulher é reservado o lugar de intérprete. É muito bonito ver uma mulher
cantando, sua graça e beleza, enriquecem a performance, se for como backin
vocal, atrás de uma banda formada exclusivamente por homens é ainda melhor...
Não! Não mais!
É visível que já faz algum tempo que estamos
abrindo espaço e ocupando esses lugares. Como disse no início do texto, se hoje
estamos aqui é porque muitas vieram e lutaram antes de nós.
Hoje temos mulheres
cantoras, compositoras, instrumentistas, diretoras, produtoras, dramaturgas,
atrizes... e vai ter mais!
A mulher negra nas
artes cênicas. O teatro, dança, TV e
cinema ainda são espaços elitistas e
pouco ocupados mesmo pelo homem negro. Quando há papeis para que os negros
desempenhem, esses personagens são sempre os mesmos, escravos, serviçais,
bandidos... Para a mulher, mesmo a mulher branca, no cinema seu lugar ainda é
de “a bela” sem falas, apenas compondo
enredos predominantemente masculinos. Pensemos então o que é o papel mulher
negra nas artes cênicas. Quase nulo, e quando ele existe é de muita
submissão.
Existem documentários
tais como “a negação do Brasil” que conta um pouco da história dos negros e
negras nas telenovelas Brasileiras. Para quem ainda não viu vale muito conferir
esse documentário que fala, por exemplo, da personagem “Gabriela” do romance de
Jorge Amado. Sabemos que Gabriela é uma mulher negra, mas na sua versão para
interpretá-la na TV foi escollhida uma atriz branca. Novamente na segunda
versão de Gabriela, recentemente exibida na TV, temos a atriz Juliana Paes que
nas primeiras cenas da série aparece com tanta maquiagem para enegrecer a moça
que quase temos ali um “Black face”.
Escrava Isaura, inicialmente, também era uma personagem negra, mas que
sendo interpretada por uma atriz branca muda totalmente o contexto da história
e acaba por reforçar o racismo. Uma nova
novela “escrava mãe” vem sendo gravada pela rede Record, novamente temos ali
para interpretar uma personagem negra, uma atriz que se não é branca, no mínimo
tem fortes traços de miscigenação (cabelos lisos, traços característicos de
brancos e pele morena) que a clareiam e não deixam explicito a negritude da personagem
que ela interpreta. Será que ainda não temos artistas negros com competência
para encarar a interpretação desses
personagens? Eu sinceramente não acredito nisso! Recentemente Viola Davis,
primeira atriz negra a vencer o Premio Emmy de melhor atriz nos disse que .
"A única coisa que separa mulheres de cor de qualquer outra pessoa é
oportunidade. Não se ganha esse prêmio sem um papel". E assim é! Dizer que
não há negros competentes para estarem no mercado de trabalho artístico ainda é
uma estratégia de nos manter fora. Mas estamos aqui e com competência! Viola
Davis, Lupita Nyongo, Zeze Mota, Isaura Bruno, Ruth de Souza, Tais Araujo,
Juliana Alves, Eda Costa, Lais Lacorte, Josi Lopes e tantas outras mulheres
negras mostrando que somos de luta e de arte.
A arte é uma arma
política, mais um instrumento para tocar as pessoas e contribuir para melhoria
dessa sociedade ainda tão desigual. Com a força da nossa união somos capazes de
realizar a transformação social e política que tanto almejamos para nossos
filhos. Estamos aqui, mulheres, negras, artistas e queremos ser vistas e
ouvidas.
texto produzido para o seminário
Mulher Negra, Arte e Educação para as relações Étnico Raciais
FAN - Festival de Arte Negra
27/11/2015